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MENTE & CORPO

[/vc_column_text][vc_separator color=”custom” accent_color=”#e61877″][vc_empty_space][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_single_image image=”6150″ img_size=”full” alignment=”center”][vc_empty_space][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]

 BIOLOGIA, CULTURA E COMPORTAMENTO

[/vc_column_text][vc_column_text]A INDISCIPLINA PODE SER PENSADA COMO UMA FALTA DE AUTORREGULAÇÃO OU UM FRACO DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS. PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM E DE CONDUTA, EM SUA MAIORIA, PODEM REFLETIR DEFICIÊNCIAS DA ESCOLARIZAÇÃO[/vc_column_text][vc_column_text]

Por Guilherme Brockington e Ana Paula Moreira

[/vc_column_text][vc_empty_space][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Entre os inúmeros desafios que a escola enfrenta em um país que sistemática e deliberadamente sucateia a educação é a indisciplina. Uma queixa recorrente na maioria das escolas no Brasil diz respeito à falta de atenção, distração e desinteresse dos alunos. Eles não param quietos nas carteiras, mexem no celular todo o tempo e se dispersam com qualquer conversa, sem prestar atenção em nada. Parece que seus corpos estão ali, mas as mentes…

No entanto, isso é só na aparência. Ao se analisar essa questão de um ponto de vista que integra filosofia, neurociência e psicologia, o que se mostra como um problema de aprendizagem e comportamento se revela, na verdade, como um problema de escolarização. E acredite: é justamente a posição filosófica dominante na sociedade, ainda que de forma inconsciente, que está na raiz de tudo isso.

Para que você compreenda o quanto a filosofia está imbricada no nosso cotidiano, responda rapidamente a estas perguntas: quando uma criança ou adolescente vai para a escola, esperamos que seu corpo seja educado ou que sua mente seja educada? Quando eles leem um livro, esperamos que sua mente ou que seu corpo se desenvolva?

Se a sua conclusão sugere que a escola deve educar a mente e que, ao ler um livro, esperamos que a mente da criança ou adolescente se desenvolva você anuncia, ainda que não saiba, uma posição filosófica chamada dualismo. Se, por outro lado, você acredita que a leitura de um livro pode fazer com que o corpo de uma criança se desenvolva, você se aproxima de outra posição filosófica chamada monismo.

E, se de um modo ou de outro, você concluiu que a problemática da relação mente-corpo é crucial para a filosofia e, mais do que isso, se você compreendeu que os diferentes modos de explicação dessa relação atuam sobre as mais triviais das nossas ações cotidianas, este texto pode ser útil para você.

 

CORPO X MENTE

O que é o corpo? Uma estrutura física? Ossos, músculos e sangue. Cérebro e 86 bilhões de neurônios, sinapses e substâncias químicas que fazem de nós seres pensantes. Caminhando displicentemente pela rua, seu nariz é invadido por um cheiro salgado. Antes que você se dê conta de onde e como está, de alguma maneira você sabe que é o cheiro do pão que sua avó fazia. De repente, tudo em você é saudade. Batimentos cardíacos, músculos que se retraem e distendem, alvéolos preenchidos de ar. Pensamentos e sensações. Então, o que é o corpo? Um emaranhado e imaterial conjunto de emoções? Corpo e mente são coisas distintas?

Há séculos, as relações entre cognição e emoção e como elas afetam o comportamento humano têm fascinado e intrigado uma vasta legião de pensadores, filósofos ecientistas. A compreensão dessas relações e o entendimento de seus mecanismos de funcionamento têm sido tema recorrente nos estudos acerca da natureza humana.

De certa forma, podemos dizer que a compreensão sobre a natureza do ser e sobre a natureza do conhecimento ocupa o centro das discussões filosóficas. O dualismo é o ponto de vista que acentua a cisão entre mente e corpo. Para essa posição, cuja raiz pode ser localizada no pensamento de René Descartes, o corpo é substância material e a mente (ou alma, como ele dizia) é substância imaterial. Assim, o pensamento seria atributo da mente, nunca do corpo. Dessa maneira dicotômica, o sujeito está fragmentado tanto estrutural como funcionalmente.

O monismo, por outro lado, é a posição que defende a unidade mente-corpo, e essa posição, por sua vez, remonta ao filósofo Baruch Espinoza. Segundo essa perspectiva, mente e corpo não são instâncias dissociadas. Eles compõem uma unidade e, por isso, estão intrinsecamente conectados. Aqui, as transformações culturais e as mais altas elaborações humanas são compreendidas a partir do aparato que o corpo possui. O pensamento, então, teria sua gênese na unidade corpo-mente ou na mente, que tem o potencial de transformar o corpo.

A ciência já percorreu os caminhos mais intrincados para responder a essas perguntas e tentar explicar a relação mente-corpo. Hoje sabemos que a emoção é algo complexo, profundamente atrelado a contextos e histórias de vida, a pessoas e situações. Descrevê-la é, portanto, um grande desafio.

Do ponto de vista da neurociência, António Damásio, em 1994, enfrentou esse desafio ao apresentar sua teoria sobre a relação entre emoção e cognição no livro O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. O neurologista português apresentou fortes evidências da interação entre razão e emoção, mostrando a existência de dois sistemas, um relacionado ao processamento cognitivo e outro, ao processamento das emoções, mas ambos interagem entre si em uma complexa dinâmica. Com isso, o conhecido dualismo entre razão e emoção é revisto pelas ideias e trabalhos clínicos de Damásio, levando-o a propor uma teoria na qual cognição e emoção coexistem e se integram, de modo que uma não funciona corretamente sem a outra, em uma defesa clara da visão monista. Resumidamente, segundo Damásio, a emoção é uma resposta ao conteúdo de determinados estímulos (presentes no ambiente externo ou na mente do indivíduo) que produzem uma alteração temporária do estado do corpo e do estado de diferentes estruturas cerebrais. Ou seja mudanças fisiológicas são induzidas devido ao conteúdo emocional de diferentes tipos de estímulos. Tais modificações, como alteração na frequência cardíaca, contração muscular, aumento da resposta das glândulas endócrinas etc., muitas vezes podem não ser detectadas por um observador externo, visto que estas ocorrem internamente, ligando corpo e mente.

 

O QUE DIZ A ESCOLA?

A partir do que já estabelecemos, não é difícil compreender que as teorias produzidas no âmbito da educação revelam, de uma maneira impressionante, as dimensões desse conflito. No Brasil, atualmente a maior parte das escolas fundamenta seus projetos pedagógicos na concepção de que a função educativa atua sobre a mente e sobre uma série de processos cognitivos que pertencem exclusivamente a ela, relegando o corpo ao segundo plano.

Mas o que isso significa? Significa que as diferentes posições filosóficas também estão refletidas no interior das escolas. As teorias pedagógicas têm, portanto, oscilado a partir dos fundamentos filosóficos que elas incorporam. Quem ensina e quem aprende? O que se compreende como liberdade ou como disciplina? Onde fica o corpo na escola?

Nesse aspecto, a obra de Michel Foucault exerceu papel determinante. O filósofo francês explicou como as ideias de punição e castigo, tais como as conhecemos, se relacionaram ao corpo e às suas expressões. A chamada violência simbólica afetaria o corpo ao privá-lo da palavra ou ao exigir dele determinados comportamentos considerados disciplinares.

Quando estudamos a história do desenvolvimento das teorias pedagógicas, entendemos que, desde a colonização do Brasil, as primeiras iniciativas de organização de uma atividade educativa decorreram de propostas impositivas. O papel do tutor ou professor estava imbuído de autoritarismo e truculência, e ao aprendiz ou aluno não restava nada além da necessidade de ajustamento.

Nessa conjuntura, não é difícil perceber que as subsequentes ideias de debate acerca das teorias pedagógicas culminariam em um contraponto indubitavelmente necessário. O chamado movimento da Escola Nova dedicou-se, portanto, à elaboração de uma escola que se adaptasse às crianças e adolescentes, cujas tendências de expressão deveriam ser livres, não controladas por aulas divididas em intervalos de tempo específico e por provas ou avaliações rígidas. Aqui, então, notamos a presença das ideias foucaultianas ou, pelo menos, a interpretação sobre essa teoria e a sua convocação à liberdade dos corpos.

Esse cenário filosófico-teórico constitui a base da maior parte dos projetos pedagógicos das escolas brasileiras a partir da íntima conexão que revelam com a teoria psicológica do desenvolvimento organizada por Jean Piaget. Essassão as fontes da teoria pedagógica que temos conhecido sob o nome de construtivismo. [/vc_column_text][vc_empty_space][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”vc_default”][vc_column][vc_column_text]“A AUTORREGULAÇÃO TEM SIDO FORTEMENTE RELACIONADA ÀS RESPOSTAS EMOCIONAIS, AO PLANEJAMENTO DE METAS DE MÉDIO E LONGO PRAZOS, AO CUMPRIMENTO DE TAREFAS RELEVANTES NO COTIDIANO, À SOCIABILIDADE, À EMPATIA, BEM COMO AOS DESEMPENHOS COGNITIVO E ACADÊMICO. TAMBÉM É CONSIDERADA O PRINCIPAL MEDIADOR ENTRE PREDISPOSIÇÕES GENÉTICAS, EXPERIÊNCIAS NA VIDA INFANTIL E FUNCIONALIDADE NA VIDA ADULTA”[/vc_column_text][vc_empty_space][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]PLANEJAMENTO E CONCENTRAÇÃO

Quando se pensa, então, na integração corpo e mente, é necessário que se entenda o papel das funções executivas e da autorregulação tanto do ponto de vista da neurociência quanto da psicologia.

Ao se desejar um desenvolvimento pleno da personalidade e da capacidade de socialização da criança, é preciso entender o papel fundamental do controle intencional do próprio comportamento. Assim, a autorregulação tem sido fortemente relacionada às respostas emocionais, ao planejamento de metas de médio e longo prazos, ao cumprimento de tarefas relevantes no cotidiano, à sociabilidade, à empatia, bem como aos desempenhos cognitivo e acadêmico. Além disso, a autorregulação é considerada o principal mediador entre predisposições genéticas, experiências na vida infantil e funcionalidade na vida adulta.

As funções executivas são os processos mentais que nos permitem planejar, concentrar a atenção, lembrar instruções e manipular múltiplas tarefas com sucesso. Muitos pesquisadores afirmam que são justamente as funções executivas que nos tornam humanos. Elas participam de um controle cognitivo e emocional bastante complexo, responsável por fazer mudanças adaptativas em ambientes físicos e sociais, nos permitindo executar ações apropriadas e inibir ações inapropriadas, dentro de determinado contexto ou para atingir determinado objetivo. Essas funções são cruciais para a aprendizagem e o desenvolvimento e, também, permitem o surgimento de comportamentos mais pró-sociais, que nos permitem fazer escolhas saudáveis para nós mesmos e para os outros, facilitando a vida em sociedade.

Há inúmeras evidências de que as funções executivas se desenvolvem rapidamente nos anos pré-escolares, e esse desenvolvimento demanda a maturação do córtex pré-frontal, pois elas dependem de três tipos de função cerebral: memória funcional, flexibilidade mental e autorregulação. Essas funções estão altamente inter-relacionadas, e é preciso muita habilidade para que elas operem de maneira coordenada entre si. As crianças não nascem com essas habilidades, mas nascem com o potencial de desenvolvê-las.

A psicologia histórico-cultural compreende que os atributos do pensamento denotados como funções executivas se relacionam, essencialmente às dimensões que podemos chamar de afetivas. Para essa compreensão, a consciência das emoções, ou seja, a emoção pensada, nos leva ao que Vigotski chamou de domínio da própria conduta. Essa integração significa, portanto, que o desenvolvimento humano nas suas máximas especifi cidades requer e se concretiza na unidade mente-corpo. Dessa maneira, anunciamos que, apesar das possíveis diferenças ou até, ainda, ausência de pesquisas que evidenciem essa conexão, a psicologia histórico-cultural e a neurociência parecem coincidir na defesa que fazem da posição monista e no entendimento das suas implicações para o contexto educativo.

Assim, questões emergentes no cotidiano escolar, como a indisciplina, por exemplo, podem ser pensadas como uma falta de autorregulação e/ou um fraco desenvolvimento das funções executivas, de modo que problemas de aprendizagem e comportamento, em sua imensa maioria, podem ser, na verdade, problemas de escolarização. Isso quer dizer: deveríamos aprender na escola como desenvolver tais habilidades. As pesquisas revelam que, se as crianças ou adolescentes não têm o que necessitam em seus relacionamentos com os adultos, nem nas condições de seus ambientes, o desenvolvimento dessas habilidades pode ser seriamente prejudicado. Mais que isso, ambientes insalubres, resultantes de negligência, abuso ou violência, podem expor as crianças a uma forma de vida que interrompe a maturação da estrutura do cérebro, prejudicando, dessa forma, o desenvolvimento das funções executivas e da autorregulação.[/vc_column_text][vc_empty_space][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_single_image image=”6151″ img_size=”FULL” alignment=”center”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Finalizamos, então, acentuando que a maturação de processos cerebrais é condição para o desenvolvimento das funções essencialmente humanas, mas que esse desenvolvimento não se confunde com aquela maturação ou se resume a ela. A ação educativa dos adultos e, fundamentalmente, do professor é fonte orientadora desse desenvolvimento. Ao ensinar intencionalmente conteúdos clássicos oriundos da universalidade de conhecimentos produzidos pela humanidade, o professor deve estar atento às razões ou às necessidades dessa transmissão: alcançar a elaboração das funções executivas, autorregulação e do domínio da própria conduta.

Então, do interior dessa discussão, no âmbito dessa defesa filosófico-teórica, insistimos em anunciar que a orientação, o treino e a disciplina são dimensões imprescindíveis para o desenvolvimento adequado da unidade corpo-mente. É preciso que aqui não sejamos tomados por distorções semânticas ou por algum tipo de egoísmo intelectual. Disciplina não é sinônimo de autoritarismo, e orientação não é sinônimo de imposição. Mas, sim, a consciência do que seja adequado depende de decisões que podem e devem ser tomadas pelos adultos. É preciso, então, entender que a autorregulação é essencial para uma vida plena, alegre, e que isso deve ser ensinado na escola[/vc_column_text][vc_empty_space][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Finalizamos, então, acentuando que a maturação de processos cerebrais é condição para o desenvolvimento das funções essencialmente humanas, mas que esse desenvolvimento não se confunde com aquela maturação ou se resume a ela. A ação educativa dos adultos e, fundamentalmente, do professor é fonte orientadora desse desenvolvimento. Ao ensinar intencionalmente conteúdos clássicos oriundos da universalidade de conhecimentos produzidos pela humanidade, o professor deve estar atento às razões ou às necessidades dessa transmissão: alcançar a elaboração das funções executivas, autorregulação e do domínio da própria conduta.

Então, do interior dessa discussão, no âmbito dessa defesa filosófico-teórica, insistimos em anunciar que a orientação, o treino e a disciplina são dimensões imprescindíveis para o desenvolvimento adequado da unidade corpo-mente. É preciso que aqui não sejamos tomados por distorções semânticas ou por algum tipo de egoísmo intelectual. Disciplina não é sinônimo de autoritarismo, e orientação não é sinônimo de imposição. Mas, sim, a consciência do que seja adequado depende de decisões que podem e devem ser tomadas pelos adultos. É preciso, então, entender que a autorregulação é essencial para uma vida plena, alegre, e que isso deve ser ensinado na escola

 

OS AUTORES
Guilherme Brockington é físico, pós-doutor em educação, professor da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde conduz pesquisas
em neurociência e educação, ensino de ciências e formação de
professores.
Ana Paula Moreira é psicóloga, doutora em psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de Campinas, professora do curso de
pedagogia da Universidade de Mogi das Cruzes.
LEITURAS SUGERIDAS
• Damásio, A. O erro de Descartes. Companhia das Letras, 1994.
• Luria, A. R. Pensamento e linguagem. Artmed, 1986.
• Vigotski, L. A formação social da mente. Martins Fontes, 1996.

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